Deputado estadual em São Paulo, Marmo Cezar (PDT) usou a expressão “amanhã é dia de branco” em discurso na última segunda-feira (4). A fala ocorreu no pré-lançamento da candidatura de Elvis Cezar, que é seu filho e ex-prefeito de Santana de Parnaíba, ao governo de São Paulo. Presidenciável pelo partido, Ciro Gomes estava presente no ato.
“Então, as pessoas que faltam falar, nos perdoem porque amanhã é dia de branco, não é mesmo?”, afirmou Cezar, um dos primeiros a discursar no evento.
Especialistas ouvidos pelo g1 criticaram o uso da expressão. Uma delas, a advogada Sheila de Carvalho, da Coalizão Negra Por Direitos, apontou “conotação racista” (veja mais abaixo).https://b4b20564b3df7661884fa2f2e510f9ac.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
O site Alma Preta divulgou o caso, posteriormente confirmado pelo g1.
Leia também:
- Datafolha: Doria e Bolsonaro são os padrinhos políticos que mais atrapalham em SP, aponta pesquisa
- Lula chama Alckmin de companheiro; ex-governador de SP fala em ‘somar esforços’
O deputado estadual foi seguido por falas do ex-deputado e ex-ministro dos governos Lula e Dilma, Aldo Rebelo; do presidente nacional do PDT, Carlos Lupi; do pré-candidato ao governo de SP, Elvis Cezar; e do pré-candidato do PDT à presidência, Ciro Gomes.
Ao g1, Marmo Cezar afirmou que a expressão significa que é dia de trabalhar e que conhece duas origens para o termo, uma “por causa da cédula com a imagem do Barão do Rio Branco, ou seja, quer dizer que é dia de ganhar dinheiro. Outra versão diz que é por causa da Marinha, por causa do uniforme branco, ou seja, é dia de colocar o uniforme branco para ir trabalhar”.
“Nunca ouvi dizer que tinha essa conotação racista, os significados vão mudando com o tempo. Agora que aprendi isso, não vou mais usar essa expressão e peço desculpas. Abomino o racismo e luto contra ele e todas as desigualdades”, disse, por meio de nota enviada por sua assessoria de imprensa
Língua como ‘manifestação da cultura’
Reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente considera que a questão é complexa e pode conter muitas sinuosidades a depender do contexto e intencionalidade da fala. Para ele, as intolerâncias “estão formatadas em cima de uma cultura” e a língua é a “manifestação mais genuína da cultura”.
“Aquele falar cotidiano e corriqueiro de um grupo está carregado sempre dessas intolerâncias e hostilizações de toda natureza”, diz. “Dia de branco é uma expressão que quando se tenta relacionar como uma das verborragias transgressoras da dignidade humana, relaciona-se sempre que o dia de branco é um dia qualificável, valorizável, enquanto o contraponto, o dia de negro, seria de negatividades”, analisa.
No entendimento de Vicente, a despeito de ter intencionalidade ou não na fala, “a expressão por si só é suficiente para produzir qualquer tipo de modificação de equilíbrio de condições que o outro tem” perante o negro. Uma forma de corrigir tal condição, segundo o reitor da universidade, é questionar a utilização destes termos.
” Uma expressão normal e corriqueira que produz um dano psicológico, moral ou subjetivo, qualquer que seja, contra o outro acaba sendo uma expressão de injustiça porque produz um dano e vitima pessoas. Então, o razoável é preferencialmente extinguir”, diz. “https://b4b20564b3df7661884fa2f2e510f9ac.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
Advogada da Coalizão Negra Por Direitos, Sheila de Carvalho aponta para duas as origens do termo “dia de branco”, uma de passar “a dinâmica de branco ser dia de trabalho honrado, de uma segunda-feira dia útil, essa perspectiva de conectar o branco à honradez” e outro ligado ao fato de a Marinha usar uniformes brancos e, por conta disso, o termo estaria ligado aos afazeres.
“É muito complicado o uso, não deveria ser usado especialmente por um parlamentar, que tem de agir com decoro. Ainda que esteja falando de um lugar de glória, trabalho, de branco, de vencer, por si só já tem uma conotação racista”, afirma. Ela cita outros termos que estão em mesma situação e, por isso, é preciso rever seu uso. “Temos um histórico de expressões e, muitas vezes, as pessoas nem utilizam na intenção de praticar o racismo, mas acaba perpetuando uma lógica de discriminação”.
“Há outros atos de violência muito explícitos e expressivos e tem muitas pessoas que reproduzem por um puro desconhecimento. Tem ‘trabalho de meia tigela’, se usava essa expressão porque negros que estavam em situação de escravidão e não entregavam os trabalhos que seus exploradores estabeleciam, eles só recebiam meia tigela de comida”, exemplifica. FONTE G1